Preciso dizer que te amo

Relato por Douglas Roberto


Quando eu fazia aulas de teatro, o caríssimo professor Jester Furtado puxava a nossa orelha: “Teatro não é brincar de casinha!”. E ele estava certo. No teatro há um público para agradar, você não está brincando com os outros atores. Mas existe esse espaço para “brincar de casinha”? Eu digo que absolutamente sim. No dia 16 de agosto, quarta-feira, tive a oportunidade de participar do FLO³ (3º festival de Larp Online). Sendo simplista, larp é um teatro sem plateia. A sigla pode ser livremente traduzida como “Faz de conta ao vivo”. São brincadeiras teatrais em que o que importa de verdade é a interação do participante com a experiência, sem a pretensão de convencer uma plateia.

Minha participação foi no jogo Preciso dizer que te amo. Acho que é necessário dizer que, apesar de ser a minha mais recente obsessão, a minha experiência com larp é mínima! Tinha brincado apenas com amigos próximos, e essa foi minha primeira experiência com pessoas novas. Saí muito satisfeito!

A experiência, proposta por Carolina Scartezini, foi apelidada por ela de larp-dorama! Como o nome sugere, é um jogo de romance, que começou com ela explicando a dinâmica para os participantes: Improvisando, seria construída uma cena sobre duas pessoas. A primeira chora as mágoas de outros amores. A segunda ouve calada, sabendo que precisa danadamente confessar um amor romântico-sexual pela primeira. Que barra, né? A cena só poderia acabar quando esse amor fosse confessado.

Segurança

O Festival me foi apresentado pelo Tiago Junges, do Coisinha Verde, e isso já me deixou muito mais confortável com a ideia. Quem tem alguma vivência com RPG de mesa sabe que é bem fácil ter experiências ruins com desconhecidos. Gente chata, preconceituosa e/ou sem noção de limites. Tem muito disso nos grupos de RPG online, e a boataria sobre comunidades de larp me faz pensar que nelas não seja muito melhor. Porém o Tiago, em seus jogos e grupos, sempre prezou pelo ambiente seguro, livre de gente assim. 
Essa segurança me foi confirmada quando a Carolina mandou mensagem, sendo uma fofa e perguntando como eu preferia ser chamado. Senti esse mesmo acolhimento da parte da Effe, Renato e Thiago, que participaram conosco da brincadeira e foram todos muito respeitosos. É muito bom ter ambientes legais assim!

A dinâmica em si

Fizemos duplas para rodar cada cena. A cena começa sem nem criar personagens prévios. A partir do improviso, você e seu parceiro vão decidindo os detalhes da trama. Quem são esses dois? No que trabalham? De onde se conhecem? Quem são esses outros amores? A quanto tempo esse amor secreto existe!?

E bem… Havia cinco participantes para cenas em dupla. Então eu me contradigo aqui, sobre dizer que é um teatro sem plateia? Não exatamente. Porque mesmo com as pessoas assistindo, nosso foco não estava nelas. Não havia uma preocupação estético-dramática. Era sobre experienciar aquele personagem, aquele diálogo e aquele contexto. Quando assisti a cena da Carol com o Thiago, minha sensação foi de que não estava vendo uma peça de teatro: Estava espionando uma videochamada de verdade. Uma fofoca em tempo real! Os dois conversando, dedicados a seu próprio microcosmo, às suas próprias inseguranças.

Sofrendo com os personagens

Sabe aquela sua amiga que se humilha por macho? Ou aquele amigo que precisaria de um outdoor pra entender uma indireta? Foi exatamente esse tipo de personagem que apareceu na nossa experiência. E que vontade de esganar alguns desses personagens! Acho que é isso que sentem as pessoas que gostam de filmes de romance. Eu nunca fui muito fã de histórias de amor, mas esse larp aumentou muito meu interesse no tema. Jogando, foi muito fácil se relacionar com as situações apresentadas.

Boas ideias


Preciso dizer que te amo foi pensado pela Carolina a partir da música de Dé, Bebel e Cazuza que tem esse mesmo nome. Logo após explicar a dinâmica, ela colocou a canção para tocar, na versão (mais sensual e misteriosa) de Cássia Eller. A letra descreve o exato cenário em que jogamos as cenas. E poxa, isso é uma baita ideia! No dia seguinte ao jogo, fiz uma longa viagem de carro ouvindo sertanejo sofrência na estrada. E, a cada música, surgia um novo bom plot para uma cena. Uma delas, a título de exemplo: "Como é que faz quando o amante quer ser algo mais?". Poxa, a história tá pronta! Com certeza vou aproveitar isso futuramente.

Durante a experiência, aconteceu muito o que a Carolina chamou de “malandragem”. Eu amei o termo e ele agora estará permanentemente no meu léxico
RPGístico. Malandragem é quando, no meio de um diálogo, um jogador introduz uma verdade que favoreça seu personagem na história. Meu personagem era Felipe, e a Carol era a Cássia. Quando, no meio da conversa, o Felipe diz “E o trabalho lá no colégio?”, Cássia automaticamente se torna uma professora da rede pública, detalhe que antes não existia na ficção. Irei sempre considerar tanto a ideia quanto o termo em minhas próximas criações relacionadas a larp e RPG!

Um bom desafio

Caramba, que difícil foi a minha cena! Eu fui o último a jogar. Primeiro, observei Renato e Effe, depois Thiago e Carol. Enquanto essas duas primeiras cenas foram algo mais dentro da minha realidade (personagens jovens e seus rolinhos mal resolvidos), chegando a minha vez foi uma história muito… longe do que eu realmente conheço! Felipe, professor de escola, apaixonado por Cássia, sua colega em processo de divórcio, com filhos e em uma situação muito complicada. Foi muito único se relacionar com esses dois, e foi bem difícil fazer um malabarismo na conversa que levasse à confissão do amor de Felipe. Mas foi muito divertido!

Considerações

Preciso dizer que te amo é uma experiência muito humana, que exercita a empatia e nos faz pensar. Será que é tão ruim quanto penso, na vida real, confessar um amor? Na ficção, todas essas histórias terminaram bem, e na pior das hipóteses ficaria um climão que logo sumiria com o tempo. Tem alguém pra quem você precisa se declarar?

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